A pessoa humana
No presente texto emerge ademais a importância dos valores morais, fundamentados na lei natural inscrita na consciência de todo ser humano, que por isso está obrigado a reconhecê-la e a respeitá-la.
Inspirado na Constituição pastoral Gaudium et spes, também este documento põe como linha mestra de toda a exposição o homem, aquele « homem considerado na sua unidade e na sua totalidade, o homem, corpo e alma, coração e consciência, pensamento e vontade.
Com o presente documento a Igreja entende oferecer um contributo de verdade à questão do lugar do homem na natureza e na sociedade, afrontada pelas civilizações e culturas em que se manifesta a sabedoria da humanidade.
O primeiro dentre os maiores desafios, frente aos quais a humanidade se encontra, é o da verdade mesma do ser-homem. O confim e a relação entre natureza, técnica e moral são questões que interpelam decisivamente a responsabilidade pessoal e coletiva em vista dos comportamentos que se devem ter, em face daquilo que o homem é, do que pode fazer e do que deve ser.
É a pessoa humana que se trata de salvar, é a sociedade humana que importa renovar.
Os dez mandamentos, que constituem um extraordinário caminho de vida indicam as condições mais seguras para uma existência liberta da escravidão do pecado, contêm uma expressão privilegiada da lei natural. Eles «ensinam-nos a verdadeira humanidade do homem. Iluminam os deveres essenciais e, portanto, indiretamente, os deveres fundamentais, inerentes à natureza da pessoa humana.
«Ser pessoa à imagem e semelhança de Deus comporta … um existir em relação, em referência ao outro “eu” »[36], porque Deus mesmo, uno e trino, é comunhão do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
A salvação que, por iniciativa de Deus Pai, é oferecida em Jesus Cristo e é atualizada e difundida por obra do Espírito Santo, é salvação para todos os homens e do homem todo: é salvação universal e integral. Diz respeito à pessoa humana em todas as suas dimensões: pessoal e social, espiritual e corpórea, histórica e transcendente.
Deus, em Cristo, não redime somente a pessoa individual, mas também as relações sociais entre os homens. Como ensina o apóstolo Paulo, a vida em Cristo faz vir à tona de modo pleno e novo a identidade e a sociabilidade da pessoa humana, com as suas concretas conseqüências no plano histórico e social:
A realização da pessoa humana, atuada em Cristo graças ao dom do Espírito, matura na história e é mediada pelas relações da pessoa com as outras pessoas, relações que, por sua vez, alcançam a sua perfeição graças ao empenho por melhorar o mundo, na justiça e na paz.
A sociedade humana é objeto da doutrina social da Igreja, visto que ela não se encontra nem fora nem acima dos homens socialmente unidos, mas existe exclusivamente neles e, portanto, para eles.
A pessoa humana é um ser inteligente e consciente, capaz de refletir sobre si mesma e, portanto, de ter consciência dos próprios atos. Não são, porém, a inteligência, a consciência e a liberdade a definir a pessoa, mas é a pessoa que está na base dos atos de inteligência, de consciência, de liberdade. Tais atos podem mesmo faltar, sem que por isso o homem cesse de ser pessoa.
Uma sociedade justa pode ser realizada somente no respeito pela dignidade transcendente da pessoa humana. Esta representa o fim último da sociedade, que a ela é ordenada.
A contribuição do evangelho para a sociedade na justiça e no amor
Com efeito, os irmãos que têm em comum conosco o mesmo Batismo, os adeptos de outras Religiões e todos os homens de boa vontade podem nele encontrar elementos fecundos de reflexão e impulso comum para o desenvolvimento integral de todo homem e do homem todo.
Segundo o ensinamento conciliar, «também àqueles que pensam e fazem de modo diferente do nosso em matéria social, política e, inclusivamente, religiosa, deve estender-se o respeito e a caridade; quanto nos esforçamos para penetrar intimamente com benevolência e amor, nos seus modos de ver, mais fácil se tornará um diálogo com eles.
Com a pregação do Evangelho, a graça dos sacramentos e a experiência da comunhão fraterna, a Igreja sana e eleva a dignidade da pessoa humana, «firmando a coesão da sociedade e dando à atividade diária dos homens um sentido e um significado mais profundos»[62]
Jesus Cristo revela-nos que «Deus é amor» (1 Jo 4, 8) e nos ensina que «a lei fundamental da perfeição humana, e portanto da transformação do mundo, é o mandamento novo do amor. Destarte, aos que crêem no amor divino dá-lhes a certeza de que abrir o caminho do amor a todos os homens e instaurar a fraternidade universal não são coisas vãs»[66]
Tal agir, quando respeitoso da ordem objetiva da realidade temporal e iluminado pela verdade e pela caridade, torna-se instrumento para uma atuação sempre mais plena e integral da justiça e da paz e antecipa no presente o Reino prometido.
Essas exigências referem-se, antes de mais, ao empenho pela paz, à organização dos poderes do Estado, a uma sólida ordem jurídica, à salvaguarda do ambiente, à prestação dos serviços essenciais às pessoas, alguns dos quais são, ao mesmo tempo, direitos do homem: alimentação, morada, trabalho, educação e acesso à cultura, saúde, transportes, livre circulação das informações e tutela da liberdade religiosa.
Direitos da pessoa
Pelo ensinamento do Concílio Vaticano II: «Se por autonomia das realidades terrestres se entende que as coisas criadas e as próprias sociedades têm as suas leis e os seus valores próprios, que o homem gradualmente deve descobrir, utilizar e organizar, tal exigência de autonomia é plenamente legítima… corresponde à vontade do Criador.
A liberdade
Deus dirigiu-lhe Sua Palavra no curso da história, antes, Ele mesmo entrou na história para dialogar com a humanidade e revelar-lhe o Seu desígnio de salvação, de justiça e de fraternidade. Em Seu Filho, Jesus Cristo, feito homem, Deus nos libertou do pecado e nos indicou o Caminho a percorrer e a meta à qual tender.
A Igreja, sinal na história do amor de Deus para com os homens e da vocação de todo o gênero humano à unidade na filiação do único Pai[21], também com este documento sobre a sua doutrina social entende propor a todos os homens um humanismo à altura do desígnio de amor de Deus sobre a história, um humanismo integral e solidário, capaz de animar uma nova ordem social, econômica e política, fundada na dignidade e na liberdade de toda a pessoa humana, a se realizar na paz, na justiça e na solidariedade.
O dom da libertação e da terra prometida, a Aliança do Sinai e o Decálogo estão, portanto, intimamente ligados a uma praxe que deve regular, na justiça e na solidariedade, o desenvolvimento da sociedade israelita.
A reflexão profética e sapiencial atinge a manifestação primeira e a própria fonte do projeto de Deus sobre toda a humanidade, quando chega a formular o princípio da criação de todas as coisas por parte de Deus. No Credo de Israel, afirmar que Deus é criador não significa exprimir somente uma convicção teorética, mas perceber o horizonte originário do agir gratuito e misericordioso do Senhor em favor do homem. Ele, na verdade, livre e gratuitamente dá o ser e a vida a tudo aquilo que existe.
Jesus anuncia a misericórdia libertadora de Deus para com aqueles que encontra no Seu caminho, a começar pelos pobres, pelos marginalizados, pelos pecadores, e convida à Sua sequela, pois Ele por primeiro, e de modo de todo singular, obedece ao desígnio do amor de Deus qual Seu enviado no mundo.
O dom da libertação e da terra prometida, a Aliança do Sinai e o Decálogo estão, portanto, intimamente ligados a uma praxe que deve regular, na justiça e na solidariedade, o desenvolvimento da sociedade israelita.
Pode-se, antes, afirmar que a distinção entre religião e política e o princípio da liberdade religiosa constituem uma aquisição específica do cristianismo, de grande relevo no plano histórico e cultural.
a certeza de que não se pode separar a verdade a respeito de Deus que salva, de Deus que é fonte de toda a dádiva, da manifestação do seu amor preferencial pelos pobres e pelos humildes, amor que, depois de cantado no Magnificat, se encontra expresso nas palavras e nas obras de Jesus »[71]. Maria, totalmente dependente de Deus e toda orientada para Ele, com o impulso da sua fé «é o ícone mais perfeito da liberdade e da libertação da humanidade e do cosmos
O documento trata o tema em dois capítulos. No primeiro, de caráter geral, se afirma que o direito à liberdade religiosa tem o seu fundamento na dignidade da pessoa humana e afirmam que ele deve ser reconhecido e sancionado como direito civil no ordenamento jurídico da sociedade.
A fé cristã, ao mesmo tempo em que convida a procurar em toda a parte o que é bom e digno do homem (cf. 1 Tes 5,21), «situa-se num plano superior e, algumas vezes, oposto ao das ideologias, na medida em que ela reconhece Deus, transcendente e criador, o qual interpela o homem como liberdade responsável, através de toda a gama do criado.
Mediante a sua corporeidade o homem unifica em si os elementos do mundo material, «que nele assim atinge sua plenitude e apresenta livremente ao Criador uma voz de louvor.
Por esta razão nem a sua vida, nem o desenvolvimento do seu pensamento, nem os seus bens, nem os que compartilham as sua história pessoal e familiar, podem ser submetidos a injustas restrições no exercício dos próprios direitos e da própria liberdade.
A dignidade humana exige, portanto, que o homem atue segundo a sua consciente e livre escolha, isto é, movido e determinado por convicção pessoal interior, e não por um impulso interior cego, ou por mera coação externa
O homem justamente aprecia a liberdade e com paixão a busca: justamente quer e deve formar e guiar, de sua livre iniciativa, a sua vida pessoal e social, assumindo por ela plena responsabilidade.
A libertação das injustiças promove a liberdade e a dignidade humana: porém é «necessário, antes de tudo, apelar para as capacidades espirituais e morais da pessoa e para a exigência permanente de conversão interior, se se quiser obter mudanças econômicas e sociais que estejam realmente ao serviço do homem»[260]
Buscar a verdade e professar as próprias idéias religiosas, culturais e políticas; manifestar as próprias opiniões; decidir o próprio estado de vida e, na medida do possível, o próprio trabalho;
Igualdade das pessoas
Os aspectos teológicos, filosóficos, morais, culturais e pastorais mais relevantes deste ensinamento são aqui organicamente evocados em relação às questões sociais. Destarte é testemunhada a fecundidade do encontro entre o Evangelho e os problemas com que se depara o homem no seu caminho histórico.
Uma vez que no rosto de cada homem resplandece algo da glória de Deus, a dignidade de cada homem diante de Deus é o fundamento da dignidade do homem perante os outros homens[282]. Este é o fundamento último da radical igualdade e fraternidade entre os homens independentemente da sua raça, nação, sexo, origem, cultura, classe.
Somente pela ação concorde dos homens e dos povos sinceramente interessados no bem de todos os outros, é que se pode alcançar uma autêntica fraternidade universal.
A condição para assegurar a justa presença da mulher na Igreja e na sociedade é a análise mais penetrante e mais cuidada dos fundamentos antropológicos da condição masculina e feminina, de forma a determinar a identidade pessoal própria da mulher na sua relação de diversidade e de recíproca complementaridade com o homem.
Deus é o fim último de suas criaturas e por motivo algum se pode privar o bem comum da sua dimensão transcendente, que excede, mas também dá cumprimento à dimensão histórica; Uma visão puramente histórica e materialista acabaria por transformar o bem comum em simples bem-estar econômico, destituído de toda finalização transcendente ou bem da sua mais profunda razão de ser.
Direitos humanos
Com a Carta encíclica «Divini Redemptoris», sobre o comunismo ateu e sobre a doutrina social cristã (19 de Março de 1937)[158], Pio XI criticou de modo sistemático o comunismo, definido como «intrinsecamente perverso»[159], e indicou como meios principais para pôr remédio aos males por ele produzidos, a renovação da vida cristã, o exercício da caridade evangélica, o cumprimento dos deveres de justiça no plano interpessoal e social, em vista do bem comum, a institucionalização de corpos profissionais e interprofissionais.
O movimento rumo à identificação e à proclamação dos direitos do homem é um dos mais relevantes esforços para responder de modo eficaz às exigências imprescindíveis da dignidade humana
Como o agir moral do indivíduo se realiza em fazendo o bem, assim o agir social alcança a plenitude realizando o bem comum. O bem comum pode ser entendido como a dimensão social e comunitária do bem moral.
O sentido dos bens e da riqueza e das empresas
Um segundo desafio é posto pela compreensão e pela gestão do pluralismo e das diferenças em todos os níveis: de pensamento, de opção moral, de cultura, de adesão religiosa, de filosofia do progresso humano e social.
É uma lei que prescreve, além do repouso dos campos, a remissão das dívidas e uma libertação geral das pessoas e dos bens: cada um pode retornar à sua família e retomar posse do seu patrimônio.
Para eliminar as discriminações e desigualdades provocadas pela evolução sócio-econômica, a cada sete anos a memória do êxodo e da Aliança é traduzida em termos sociais e jurídicos, de sorte que a questão da propriedade, das dívidas, das prestações de serviço e dos bens seja reconduzida ao seu significado mais profundo.
Destinação e uso universal não significam que tudo esteja à disposição de cada um ou de todos, e nem mesmo que a mesma coisa sirva ou pertença a cada um ou a todos. Se é verdade que todos nascem com o direito ao uso dos bens, é igualmente verdadeiro que, para assegurar o seu exercício equitativo e ordenado,
A defesa e a valorização da propriedade comunitária não devem, todavia, excluir a consciência do fato de que também este tipo de propriedade é destinado a evoluir. Se se agisse de modo a garantir-lhe tão-somente a conservação, correr-se-ia o risco de atá-la ao passado e, deste modo, de comprometê-la
O destinação universal dos bens comporta, portanto, um esforço comum que mira obter para toda pessoa e para todos os povos as condições necessárias ao desenvolvimento integral, de modo que todos possam contribuir para a promoção de um mundo mais humano
A solidariedade
O amor cristão move à denúncia, à proposta e ao compromisso de elaboração de projetos em campo cultural e social, a uma operosidade concreta e ativa, que impulsione a todos os que tomam sinceramente a peito a sorte do homem a oferecer o próprio contributo. A humanidade compreende cada vez mais claramente estar ligada por um único destino que requer uma comum assunção de responsabilidades, inspirada em um humanismo integral e solidário:
O cristão sabe poder encontrar na doutrina social da Igreja os princípios de reflexão, os critérios de julgamento e as diretrizes de ação donde partir para promover esse humanismo integral e solidário.
A exposição dos princípios da doutrina social da Igreja entende sugerir um método orgânico na busca de soluções aos problemas, de sorte que o discernimento, o juízo e as opções sejam mais consentâneas com a realidade e a solidariedade e a esperança possam incidir com eficácia também nas complexas situações hodiernas.
A orientação que se dá à existência, à convivência social e à história dependem, em grande parte, das respostas dadas a estas questões sobre o lugar do homem na natureza e na sociedade, às quais o presente documento entende dar o seu contributo. O significado profundo do existir humano, com efeito, se revela na livre busca da verdade, capaz de oferecer direção e plenitude à vida, busca à qual tais questões solicitam incessantemente a inteligência e a vontade do homem.
Elas exprimem a natureza humana no seu nível mais alto, porque empenham a pessoa em uma resposta que mede a profundidade do seu compromisso com a própria existência. Trata-se, ademais, de interrogações essencialmente religiosas: «quando o porquê das coisas é indagado a fundo em busca da resposta última e mais exaustiva, então a razão humana atinge o seu ápice e se abre à religiosidade. Com efeito, a religiosidade representa a expressão mais elevada da pessoa humana, porque é o ápice da sua natureza racional. Brota da profunda aspiração do homem à verdade, e está na base da busca livre e pessoal que ele faz do divino»[18].
Eles mostram como os princípios da justiça e da solidariedade social são inspirados pela gratuidade do evento de salvação realizado por Deus e não têm somente o valor de corretivo de uma praxe dominada por interesses e objetivos egoístas, mas, pelo contrário, devem tornar-se, enquanto «prophetia futuri», a referência normativa à qual cada geração em Israel se deve conformar se quiser ser fiel ao seu Deus.
O Espírito de Deus, derramado no coração do homem ― anunciam-no os Profetas ― fará aí medrar aqueles mesmos sentimentos de justiça e solidariedade que moram no coração do Senhor (cf. Jr 31, 33 e Ez 36, 26-27). Então a vontade de Deus, expressa na Decálogo doado no Sinai, poderá enraizar-se criativamente no próprio íntimo do homem. Desse processo de interiorização derivam maior profundidade e realismo para o agir social, tornando possível a progressiva universalização da atitude de justiça e solidariedade, que o povo da Aliança é chamado a assumir diante de todos os homens, de todo o povo e nação.
À atuação do princípio de subsidiariedade correspondem: o respeito e a promoção efetiva do primado da pessoa e da família; a valorização das associações e das organizações intermédias, nas próprias opções fundamentais e em todas as que não podem ser delegadas ou assumidas por outros.
A caridade
De fato, quando a Igreja «cumpre a sua missão de anunciar o Evangelho, testemunha ao homem, em nome de Cristo, sua dignidade própria e sua vocação à comunhão de pessoas, ensina-lhes as exigências da justiça e da paz, de acordo com a sabedoria divina»[3]. Tal doutrina possui uma profunda unidade, que provém da Fé em uma salvação integral, da Esperança em uma justiça plena, da Caridade que torna todos os homens verdadeiramente irmãos em Cristo.
Temos o sinal da presença de Cristo quando “os pobres são evangelizados.
A Igreja, «desde as suas origens, apesar das falhas de muitos de seus membros, não deixou nunca de trabalhar por aliviá-los, defendê-los e libertá-los. Ela o faz por meio de inúmeras obras de beneficência, que continuam a ser, sempre e por toda parte, indispensáveis»[390]. Inspirada no preceito evangélico: « Recebestes de graça, de graça dai
O próximo, então, não é só um ser humano com os seus direitos e a sua igualdade fundamental em relação a todos os demais; mas torna-se a imagem viva de Deus Pai.
E é preciso estarmos dispostos ao sacrifício por ele, mesmo ao sacrifício supremo: “dar a vida pelos próprios irmãos”
O próximo, então, não é só um ser humano com os seus direitos e a sua igualdade fundamental em relação a todos os demais; mas torna-se a imagem viva de Deus Pai, resgatada pelo sangue de Jesus Cristo e tornada objeto da ação permanente do Espírito Santo.
A caridade pressupõe e transcende a justiça.
A família
O Concílio Vaticano II quis dar uma demonstração eloquente da solidariedade, do respeito e do amor para com toda a família humana, instaurando com ela um diálogo sobre tantos problemas, «esclarecendo-os à luz do Evangelho e pondo à disposição do gênero humano o poder salvífico que a Igreja, conduzida pelo Espírito Santo, recebe do seu Fundador.
O homem e a mulher, criados à Sua imagem e semelhança (cf. Gn 1, 26-27), são por isso mesmo chamados a ser o sinal visível e o instrumento eficaz da gratuidade divina no jardim em que Deus os pôs quais cultivadores e guardiões dos bens da criação.
A ruptura da relação de comunhão com Deus provoca a ruptura da unidade interior da pessoa humana, da relação de comunhão entre o homem e a mulher e da relação harmoniosa entre os homens e as demais criaturas[29]. É nesta ruptura originária que se há de buscar a raiz mais profunda de todos os males que insidiam as relações sociais
A doutrina social é parte integrante do ministério de evangelização da Igreja. Daquilo que diz respeito à comunidade dos homens — situações e problemas referentes à justiça, à libertação, ao desenvolvimento, às relações entre os povos, à paz — nada é alheio à evangelização e esta não seria completa se não levasse em conta o recíproco apelo que se continuamente se fazem o Evangelho e a vida concreta, pessoal e social do homem.
A «Gaudium et spes» aborda organicamente os temas da cultura, da vida econômico-social, do matrimônio e da família, da comunidade política, da paz e da comunidade dos povos, à luz da visão antropológica cristã e da missão da Igreja.
Somente a aparição da mulher, isto é, de um ser que é carne da sua carne e osso dos seus ossos (cf. Gn 2, 23) e no qual vive igualmente o espírito de Deus Criador, pode satisfazer a exigência de diálogo interpessoal, tão vital para a existência humana. No outro, homem ou mulher, reflete-Se o próprio Deus, abrigo definitivo e plenamente feliz de toda a pessoa»
Sem famílias fortes na comunhão e estáveis no compromisso os povos se debilitam. Na família são inculcados desde os primeiros anos de vida os valores morais, transmite-se o patrimônio espiritual da comunidade religiosa e o cultural da nação. Nela se dá a aprendizagem das responsabilidades sociais e da solidariedade
O matrimônio, a criança, o trabalho humano como direito e sua dignidade
Um segundo desafio é posto pela compreensão e pela gestão do pluralismo e das diferenças em todos os níveis: de pensamento, de opção moral, de cultura, de adesão religiosa, de filosofia do progresso humano e social.
A doutrina social, portanto, é de natureza teológica e especificamente teológico-moral,«tratando-se de uma doutrina destinada a orientar o comportamento das pessoas»[103]: «Ela situa-se no cruzamento da vida e da consciência cristã com as situações do mundo e exprime-se nos esforços que indivíduos, famílias, agentes culturais e sociais, políticos e homens de Estado realizam para lhe dar forma e aplicação na história»[104]
O homem e a mulher têm a mesma dignidade e são de igual nível e valor[211], não só porque ambos, na sua diversidade, são imagem de Deus, mas ainda mais profundamente porque é imagem de Deus o dinamismo de reciprocidade que anima o nós do casal humano[212]. Na relação de comunhão recíproca, homem e mulher realizam-se a si próprios profundamente, redescobrindo-se como pessoas através do dom sincero de si.
Na relação de comunhão recíproca, homem e mulher realizam-se a si próprios profundamente, redescobrindo-se como pessoas através do dom sincero de si[213]. Seu pacto de união é apresentado nas Sagradas Escrituras como uma imagem do Pacto de Deus com os homens (cf. Os 1-3; Is 54; Ef 5, 21-33) e, ao mesmo tempo, como um serviço à vida[214]. O casal humano pode participar, assim, da criatividade de Deus:
«Deus os abençoou: “Frutificai, disse Ele, e multiplicai-vos, enchei a terra”»
É somente graças a essa dualidade do «masculino» e do «feminino» que o «humano» se realiza plenamente.
A mulher é “auxiliar” para o homem, assim como o homem é “auxiliar” para a mulher!
No seu encontro realiza-se uma concepção unitária da pessoa humana, baseada não na lógica do egocentrismo e da auto-afirmação
Uma grande atenção deverá ser reservada não só às condições físicas e psicológicas de trabalho, à justa remuneração, à possibilidade de promoções e à eliminação dos diversos obstáculos, mas também às dimensões afetivas e sexuais da pessoa deficiente: «Também ela precisa de amar e de ser amada, precisa de ternura, de proximidade, de intimidade
A sociedade não pode dispor do laço matrimonial, com o qual os dois esposos prometem mútua fidelidade, assistência e acolhimento dos filhos, mas está habilitada a disciplinar-lhe os efeitos civis.
Pobreza x Riqueza
Por outro lado, o amor preferencial pelos pobres representa uma opção fundamental da Igreja, e ela o propõe a todos os homens de boa vontade.
Encíclica «Sollicitudo rei socialis»[188], João Paulo II, a Encíclica introduz a, diferença entre progresso e desenvolvimento, e afirma que «o verdadeiro desenvolvimento não pode limitar-se à multiplicação dos bens e dos serviços, isto é, àquilo que se possui, mas deve contribuir para a plenitude do “ser” do homem.
o ensinamento de Pio XI: «Deve procurar-se que a repartição dos bens criados, a qual não há quem não reconheça ser hoje causa de gravíssimos inconvenientes pelo contraste estridente que há entre os poucos ultra-ricos e a multidão inumerável dos indigentes, seja reconduzida à conformidade com as normas do bem comum e da justiça social.
A Igreja ensina a socorrer o próximo nas suas várias necessidades e difunde na comunidade humana inúmeras obras de misericórdia corporais e espirituais.
O realismo cristão, enquanto por um lado aprecia os louváveis esforços que se fazem para vencer a pobreza, por outro põe em guarda contra posições ideológicas e messianismos que alimentam a ilusão de que se possa suprimir deste mundo de maneira total o problema da pobreza.
Isto acontecerá somente no Seu retorno, quando Ele estará de novo conosco para sempre.
Economia
A Igreja caminha com toda a humanidade ao longo das estradas da história. Ela vive no mundo e, mesmo sem ser do mundo (cf. Jo 17, 14-16), é chamada a servi-lo seguindo a própria íntima vocação. Uma tal atitude — que se pode entrever também no presente documento — apóia-se na profunda convicção de que é importante para o mundo reconhecer a Igreja como realidade e fermento da história, assim como para a Igreja não ignorar quanto tem recebido da história e do progresso do gênero humano[19].
Esta legislação entende deixar assente que o evento salvífico do êxodo e a fidelidade à Aliança representam não somente o princípio fundante da vida social, política e econômica de Israel, mas também o princípio regulador das questões atinentes à pobreza econômica e às injustiças sociais.
A doutrina social implica, outrossim, responsabilidades referentes à construção, à organização e ao funcionamento da sociedade: obrigações políticas, econômicas, administrativas, vale dizer, de natureza secular.
As palavras-chave da encíclica são comunidade e socialização[166]: a Igreja é chamada, na verdade, na justiça e no amor, a colaborar com todos os homens para construir uma autêntica comunhão. Por tal via o crescimento econômico não se limitará a satisfazer as necessidades dos homens, mas poderá promover também a sua dignidade.
Políticas Públicas e Livre mercado
O mundo do trabalho, profundamente modificado pelas modernas conquistas tecnológicas, conhece níveis de qualidade extraordinários, mas deve lamentavelmente registrar também formas inéditas de precariedade, de exploração e até de escravidão, no seio das mesmas sociedades assim ditas opulentas.
Para eliminar as discriminações e desigualdades provocadas pela evolução sócio-econômica, a cada sete anos a memória do êxodo e da
Aliança é traduzida em termos sociais e jurídicos, de sorte que a questão da propriedade, das dívidas, das prestações de serviço e dos bens seja reconduzida ao seu significado mais profundo.
Poupança x Consumo
Globalização
O terceiro desafio é a globalização, que tem um significado mais amplo e profundo do que o simplesmente econômico, pois que se abriu na história uma nova época, que concerne ao destino da humanidade.
Autoridade e comunidade política
A Igreja não é indiferente a tudo o que na sociedade se decide, se produz e se vive, numa palavra, à qualidade moral, autenticamente humana e humanizadora, da vida social. A sociedade e, com ela, a política, a economia, o trabalho, o direito, a cultura não constituem um âmbito meramente secular e mundano e, portanto, marginal e alheio à mensagem e à economia da salvação.
As relações entre capital e trabalho devem dar-se sob o signo da colaboração
Uma ulterior fonte de preocupação é representada pelos países de regime totalitário ou ditatorial, em que o fundamento do direito a participar da vida pública é negado na raiz, porque considerado como uma ameaça para o próprio Estado.
Meio ambiente
Toda a criação, na verdade, tem o valor de «coisa boa » (cf. Gên 1, 10.12.18.21.25) aos olhos de Deus, que é o seu Autor. O homem deve descobrir e respeitar este valor: é este um desafio maravilhoso à sua inteligência, que o deve elevar como uma asa[218] rumo à contemplação da verdade de todas as suas criaturas, ou seja, daquilo que Deus viu de bom nelas.
A denominação o homem deve reconhecer as coisas por aquilo que são e estabelecer com cada uma delas uma relação de responsabilidade.
Legitima defesa
Busca da paz
O anúncio de Jesus Cristo «boa nova» de salvação, de amor, de justiça e de paz, não é facilmente acolhido no mundo de hoje, ainda devastado por guerras, miséria e injustiças; justamente por isso o homem do nosso tempo mais do que nunca necessita do Evangelho: da fé que salva, da esperança que ilumina, da caridade que ama.
É um sinal de esperança o fato de que hoje as religiões e as culturas manifestem disponibilidade ao diálogo e advirtam a urgência de unir os próprios esforços para favorecer a justiça, a fraternidade, a paz e o crescimento da pessoa humana.
Ação pastoral
Os sacerdotes, os religiosos e as religiosas e, em geral, os formadores nela encontrarão um guia seguro para o ensinamento e um instrumento de serviço pastoral.
Cristão leigo
As atuais questões culturais e sociais envolvem sobretudo os fiéis leigos, chamados, como no-lo recorda o Concílio Ecumênico Vaticano II, a tratar as coisas temporais ordenando-as segundo Deus.
Transformar a realidade social com a força do Evangelho, testemunhada por mulheres e homens fiéis a Jesus Cristo, sempre foi um desafio e, no início do terceiro milênio da era cristã, ainda o é.
O cristão sabe poder encontrar na doutrina social da Igreja os princípios de reflexão, os critérios de julgamento e as diretrizes de ação donde partir para promover esse humanismo integral e solidário. Difundir tal doutrina constitui, portanto, uma autêntica prioridade pastoral, de modo que as pessoas, por ela iluminadas, se tornem capazes de interpretar a realidade de hoje e de procurar caminhos apropriados para a ação: « O ensino e a difusão da doutrina social fazem parte da missão evangelizadora da Igreja.
Civilização do amor
A salvação, que o Senhor Jesus nos conquistou por um “alto preço” (cf. 1Cor 6, 20; 1Pd 1, 18-19), se realiza na vida nova que espera os justos após a morte, mas abrange também este mundo (cf. 1Cor 7, 31) nas realidades da economia e do trabalho, da sociedade e da política, da técnica e da comunicação, da comunidade internacional e das relações entre as culturas e os povos. «Jesus veio trazer a salvação integral, que abrange o homem todo e todos os homens, abrindo-lhes os horizontes admiráveis da filiação divina»[2].
Feitos novos pelo amor de Deus, os homens são capacitados a transformar as regras e a qualidade das relações, inclusive as estruturas sociais: são pessoas capazes de levar a paz onde há conflitos, de construir e cultivar relações fraternas onde há ódio, de buscar a justiça onde prevalece a exploração do homem pelo homem. Somente o amor é capaz de transformar de modo radical as relações que os seres humanos têm entre si. Inserido nesta perspectiva, todo o homem de boa vontade pode entrever os vastos horizontes da justiça e do progresso humano na verdade e no bem.
Mergulhando as raízes num passado não raro milenar, estas se manifestam nas formas da religião, da filosofia e do gênio poético de todo o tempo e de cada povo, oferecendo interpretações do universo e da convivência humana e procurando dar um sentido à existência e ao mistério que a envolve. Quem sou eu? Por que a presença da dor, do mal, da morte, malgrado todo o progresso? A que aproveitam tantas conquistas alcançadas se o seu preço não raro é insuportável? O que haverá após esta vida? Estas perguntas fundamentais caracterizam o percurso do viver humano[17]. Pode-se, a propósito, recordar a admonição «Conhece-te a ti mesmo», esculpida na arquitrave do templo de Delfos, que está a testemunhar a verdade basilar segundo a qual o homem, chamado a distinguir-se entre todas as criaturas, se qualifica como homem justo enquanto constitutivamente orientado a conhecer-se a si mesmo.
A reciprocidade do amor é exigida pelo mandamento que Jesus mesmo define novo e Seu: «como eu vos tenho amado, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros» (Jo 13, 34). O mandamento do amor recíproco traça a via para viver em Cristo a vida trinitária na Igreja, Corpo de Cristo, e transformar com Ele a história até ao seu pleno cumprimento na Jerusalém Celeste.
O amor que anima o ministério de Jesus entre os homens é aquele mesmo experimentado pelo Filho na união íntima com o Pai.
A doutrina social indica e traça os caminhos a percorrer por uma sociedade reconciliada e harmonizada na justiça e no amor, antecipadora na história, de modo incoativo e prefigurativo, daqueles «novos céus e … nova terra, nos quais habitará a justiça»