Mistérios da dor

  1. Os Evangelhos dão grande relevo aos mistérios da dor de Cristo. A piedade cristã desde sempre, especialmente na Quaresma, através do exercício da Via Sacra, deteve-se em cada um dos momentos da Paixão, intuindo que aqui está o ápice da revelação do amor e a fonte da nossa salvação. O Rosário escolhe alguns momentos da Paixão, induzindo o orante a fixar neles o olhar do coração e a revivê-los. O itinerário meditativo abre-se com o Getsémani, onde Cristo vive um momento de particular angústia perante a vontade do Pai, contra a qual a debilidade da carne seria tentada a revoltar-se. Ali Cristo põe-Se no lugar de todas as tentações da humanidade, e diante de todos os seus pecados, para dizer ao Pai: « Não se faça a minha vontade, mas a Tua » (Lc 22, 42 e par). Este seu “sim” muda o “não” dos pais no Éden. E o quanto Lhe deverá custar esta adesão à vontade do Pai, emerge dos mistérios seguintes, nos quais, com a flagelação, a coroação de espinhos, a subida ao Calvário, a morte na cruz, Ele é lançado no maior desprezo: Ecce homo!

Neste desprezo, revela-se não somente o amor Deus, mas o mesmo sentido do homem. Ecce homo: quem quiser conhecer o homem, deve saber reconhecer o seu sentido, a sua raiz e o seu cumprimento em Cristo, Deus que Se rebaixa por amor « até à morte, e morte de cruz » (Fil 2, 8). Os mistérios da dor levam o crente a reviver a morte de Jesus pondo-se aos pés da cruz junto de Maria, para com Ela penetrar no abismo do amor de Deus pelo homem e sentir toda a sua força regeneradora.

Mistérios da glória

  1. “A contemplação do rosto de Cristo não pode deter-se na imagem do crucificado. Ele é o Ressuscitado!”.(29) O Rosário sempre expressou esta certeza da fé, convidando o crente a ultrapassar as trevas da Paixão, para fixar o olhar na glória de Cristo com a Ressurreição e a Ascensão. Contemplando o Ressuscitado, o cristão descobre novamente as razões da própria fé (cf. 1 Cor 15, 14), e revive não só a alegria daqueles a quem Cristo Se manifestou – os Apóstolos, a Madalena, os discípulos de Emaús –, mas também a alegria de Maria, que deverá ter tido uma experiência não menos intensa da nova existência do Filho glorificado. A esta glória, onde com a Ascensão Cristo Se senta à direita do Pai, Ela mesma será elevada com a Assunção, chegando, por especialíssimo privilégio, a antecipar o destino reservado a todos os justos com a ressurreição da carne. Enfim, coroada de glória – como aparece no último mistério glorioso – Ela resplandece como Rainha dos Anjos e dos Santos, antecipação e ponto culminante da condição escatológica da Igreja.

No centro deste itinerário de glória do Filho e da Mãe, o Rosário põe, no terceiro mistério glorioso, o Pentecostes, que mostra o rosto da Igreja como família reunida com Maria, fortalecida pela poderosa efusão do Espírito, pronta para a missão evangelizadora. No âmbito da realidade da Igreja, a contemplação deste, como dos outros mistérios gloriosos, deve levar os crentes a tomarem uma consciência cada vez mais viva da sua nova existência em Cristo, uma existência de que o Pentecostes constitui o grande “ícone”. Desta forma, os mistérios gloriosos alimentam nos crentes a esperança da meta escatológica, para onde caminham como membros do Povo de Deus peregrino na história. Isto não pode deixar de impeli-los a um corajoso testemunho daquela « grande alegria » que dá sentido a toda a sua vida.

Dos “mistérios” ao “Mistério”: o caminho de Maria

  1. Estes ciclos meditativos propostos no Santo Rosário não são certamente exaustivos, mas apelam ao essencial, introduzindo o espírito no gosto de um conhecimento de Cristo que brota continuamente da fonte límpida do texto evangélico. Cada passagem da vida de Cristo, como é narrada pelos Evangelistas, reflecte aquele Mistério que supera todo o conhecimento (cf. Ef 3, 19). É o Mistério do Verbo feito carne, no Qual « habita corporalmente toda a plenitude da divindade » (Col 2, 9). Por isso, o Catecismo da Igreja Católica insiste tanto nos mistérios de Cristo, lembrando que « tudo na vida de Jesus é sinal do seu Mistério ».(30) O “duc in altum” da Igreja no terceiro Milénio é medido pela capacidade dos cristãos de « conhecerem o mistério de Deus, isto é Cristo, no Qual estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência » (Col 2, 2-3). A cada baptizado é dirigido este voto ardente da Carta aos Efésios: « Que Cristo habite pela fé nos vossos corações, de sorte que, arraigados e fundados na caridade, possais […] compreender o amor de Cristo, que excede toda a ciência, para que sejais cheios de toda a plenitude de Deus » (3, 17-19).

O Rosário coloca-se ao serviço deste ideal, oferecendo o “segredo” para se abrir mais facilmente a um conhecimento profundo e empenhado de Cristo. Digamos que é o caminho de Maria. É o caminho do exemplo da Virgem de Nazaré, mulher de fé, de silêncio e de escuta. É, ao mesmo tempo, o caminho de uma devoção mariana animada pela certeza da relação indivisível que liga Cristo à sua Mãe Santíssima: os mistérios de Cristo são também, de certo modo, os mistérios da Mãe, mesmo quando não está directamente envolvida, pelo facto de Ela viver d’Ele e para Ele. Na Avé Maria, apropriando-nos das palavras do Arcanjo Gabriel e de Santa Isabel, sentimo-nos levados a procurar sempre de novo em Maria, nos seus braços e no seu coração, o « fruto bendito do seu ventre » (cf. Lc 1, 42).