A enunciação do mistério

  1. Enunciar o mistério, com a possibilidade até de fixar contextualmente um ícone que o represente, é como abrir um cenário sobre o qual se concentra a atenção. As palavras orientam a imaginação e o espírito para aquele episódio ou momento concreto da vida de Cristo. Na espiritualidade que se foi desenvolvendo na Igreja, tanto a veneração de ícones como inúmeras devoções ricas de elementos sensíveis e mesmo o método proposto por Santo Inácio de Loiola nos Exercícios Espirituais recorrem ao elemento visível e figurativo (a chamada compositio loci), considerando-o de grande ajuda para facilitar a concentração do espírito no mistério. Aliás, é uma metodologia que corresponde à própria lógica da Encarnação: em Jesus, Deus quis tomar feições humanas. É através da sua realidade corpórea que somos levados a tomar contacto com o seu mistério divino.

É a esta exigência de concretização que dá resposta a enunciação dos vários mistérios do Rosário. Certamente, estes não substituem o Evangelho, nem fazem referência a todas as suas páginas. Por isso, o Rosário não substitui a lectio divina; pelo contrário, supõe-na e promove-a. Mas, se os mistérios considerados no Rosário, completados agora com os mysteria lucis, se limitam aos traços fundamentais da vida de Cristo, o espírito pode facilmente a partir deles estender-se ao resto do Evangelho, sobretudo quando o Rosário é recitado em momentos particulares de prolongado silêncio.

A escuta da Palavra de Deus

  1. A fim de dar fundamentação bíblica e maior profundidade à meditação, é útil que a enunciação do mistério seja acompanhada pela proclamação de uma passagem bíblica alusiva, que, segundo as circunstâncias, pode ser mais ou menos longa. De facto, as outras palavras não atingem nunca a eficácia própria da palavra inspirada. Esta há-de ser escutada com a certeza de que é Palavra de Deus, pronunciada para o dia de hoje e “para mim”.

Assim acolhida, ela entra na metodologia de repetição do Rosário, sem provocar o enfado que derivaria duma simples evocação de informação já bem conhecida. Não, não se trata de trazer à memória uma informação, mas de deixar Deus “falar”. Em ocasiões solenes e comunitárias, esta palavra pode ser devidamente ilustrada com um breve comentário.

O silêncio

  1. A escuta e a meditação alimentam-se de silêncio. Por isso, após a enunciação do mistério e a proclamação da Palavra, é conveniente parar, durante um côngruo período de tempo, a fixar o olhar sobre o mistério meditado, antes de começar a oração vocal. A redescoberta do valor do silêncio é um dos segredos para a prática da contemplação e da meditação. Entre as limitações duma sociedade de forte predominância tecnológica e mediática, conta-se o facto de se tornar cada vez mais difícil o silêncio. Tal como na Liturgia se recomendam momentos de silêncio, assim também na recitação do Rosário é oportuno fazer uma pausa depois da escuta da Palavra de Deus enquanto o espírito se fixa no conteúdo do relativo mistério.

O “Pai nosso”

  1. Após a escuta da Palavra e a concentração no mistério, é natural que o espírito se eleve para o Pai. Em cada um dos seus mistérios, Jesus leva-nos sempre até ao Pai, para Quem Ele Se volta continuamente porque repousa no seu “seio” (cf. Jo 1,18). Quer introduzir-nos na intimidade do Pai, para dizermos com Ele: « Abbá, Pai » (Rom 8, 5; Gal 4, 6). É em relação ao Pai que Ele nos torna irmãos seus e entre nós, ao comunicar-nos o Espírito que é conjuntamente d’Ele e do Pai. O “Pai nosso”, colocado quase como alicerce da meditação cristológico-mariana que se desenrola através da repetição da Avé Maria, torna a meditação do mistério, mesmo quando é feita a sós, uma experiência eclesial.

As dez “Avé Marias”

  1. Este elemento é o mais encorpado do Rosário e também o que faz dele uma oração mariana por excelência. Mas à luz da própria Avé Maria, bem entendida, nota-se claramente que o carácter mariano não só não se opõe ao cristológico como até o sublinha e exalta. De facto, a primeira parte da Avé Maria, tirada das palavras dirigidas a Maria pelo Anjo Gabriel e por Santa Isabel, é contemplação adoradora do mistério que se realiza na Virgem de Nazaré. Exprimem, por assim dizer, a admiração do céu e da terra, e deixam de certo modo transparecer o encanto do próprio Deus ao contemplar a sua obra-prima –a encarnação do Filho no ventre virginal de Maria – na linha daquele olhar contente do Génesis (cf. Gen 1, 31), daquele primordial « pathos com que Deus, na aurora da criação, contemplou a obra das suas mãos ».(36)A repetição da Avé Maria no Rosário sintoniza-nos com este encanto de Deus: é júbilo, admiração, reconhecimento do maior milagre da história. É o cumprimento da profecia de Maria: « Desde agora, todas as gerações Me hão-de chamar ditosa » (Lc 1, 48).